Tráfico privilegiado e crime hediondo – 3

Tráfico privilegiado e crime hediondo – 3

O Plenário retomou o julgamento de “habeas corpus” em que se discute a possibilidade de afastamento da incidência da Lei 8.072/1990 em caso de tráfico de drogas privilegiado (Lei 11.343/2006, art. 33, § 4º), a fim de que seja permitido o livramento condicional e a progressão de regime nos moldes da Lei 7.210/1984 (LEP). No caso, os pacientes foram condenados pela prática de tráfico privilegiado, e a sentença de 1º grau afastara a natureza hedionda do delito. Posteriormente, o STJ entendera caracterizada a hediondez — v. Informativo 791. Em voto-vista, o Ministro Gilmar Mendes concedeu a ordem, para assentar que aos incursos no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 não se aplicam os regimes mais severos previstos no art. 5º, XLIII, da CF (equiparação a crime hediondo), no art. 44, parágrafo único, da Lei 11.343/2006 (livramento condicional) e no art. 2º, § 2º, da Lei 8.072/1990 (progressão de regime). Asseverou que condutas com menor lesividade envolvendo drogas não devem ser, sempre e necessariamente, submetidas ao tratamento constitucional dos crimes hediondos. Nesse sentido, a Constituição dá ao legislador espaço para retirar do âmbito da hediondez algumas condutas de transação ilícita de drogas. No art. 44 da Lei 11.343/2006, faz-se referência aos tipos penais inafiançáveis e insuscetíveis de “sursis”, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, cujas penas não podem ser convertidas em restritivas de direitos. Excluíra-se o art. 33, §§ 3º e 4º. Portanto, pode-se dizer que o legislador afastara o tráfico privilegiado do tratamento dado aos crimes hediondos. Além disso, o envolvimento dos praticantes de tráfico privilegiado com o crime em geral é episódico. Não se trata de pequenos traficantes, mas de sujeitos que tomam parte no delito por uma ocasião ou oportunidade. O caso em análise, embora cuide do transporte de quase uma tonelada de entorpecente, envolve agente com profissão lícita, sem antecedentes criminais, recrutado “ad hoc” por membros ativos de associação criminosa. Ademais, há previsões legais que dão ao condenado por tráfico sanções mais severas. Para o tráfico privilegiado, tampouco, são aplicáveis. No que se refere ao livramento condicional, o parágrafo único do art. 44 é expresso ao estabelecer que o regime mais severo é aplicável aos crimes mencionados no “caput”. No que tange à progressão de regime, a Lei 8.072/1990 estabelece um regramento mais rigoroso, aplicável ao tráfico de drogas. Entretanto, essa conduta deve se amoldar ao art. 5º, XLIII, da CF, o que não é a situação concreta. Por sua vez, os Ministros Dias Toffoli e Marco Aurélio denegaram a ordem. O Ministro Dias Toffoli corroborou o fato de que as circunstâncias do crime revelam a existência de organização criminosa. Além disso, ao se afastar a hediondez do tráfico privilegiado, estimula-se essas organizações a recrutarem mais pessoas com esse mesmo perfil, que podem adentrar, então, na criminalidade. O Ministro Marco Aurélio consignou a impossibilidade de se estabelecer, na Lei 8.072/1990, excepcionalidade não contemplada pelo legislador, cuja opção fora pela causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006. Isso já é suficiente para abarcar as situações dos pequenos traficantes ou dos traficantes eventuais, como na espécie. Em qualquer hipótese de tráfico, portanto, existem as consequências previstas na Lei dos Crimes Hediondos. O paciente, pessoa de confiança de organização criminosa, fora surpreendido com elevada quantidade de droga, parâmetros que não podem afastar a hediondez do delito. Em seguida, pediu vista dos autos o Ministro Edson Fachin.
HC 118533/MS, rel. Min. Cármen Lúcia, 1º.6.2016. (HC-118533)

Autor: guimadeira

Sou um cara de fé que acredita em sonhos. Fã incondicional de Shakespeare, Paulo Coelho e de Gabriel Garcia Marques, também adoro Neil Gaiman e Steven Spielberg. Ah, também tenho vários livros publicados, sou mestre e doutor em processo penal pela USP e Juiz de Direito. Corredor amador.

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