Tipificação de conduta e ausência de contrarrazões e de intimação do defensor
A Primeira Turma iniciou a apreciação de recurso ordinário em “habeas corpus” em que se pretende a declaração de nulidade do que decidido na apelação, em face da ausência de contrarrazões da defesa e da intimação do defensor para o julgamento.
Debate-se ainda, o alcance do disposto no art. 217-A do Código Penal [“Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos”], ou seja, o enquadramento jurídico do fato — se ato libidinoso ou estupro de vulnerável — e o princípio da proporcionalidade da pena em relação à conduta descrita.
Na espécie, consta na denúncia que, teria havido a prática de atos libidinosos no interior de veículo automotor e que o recorrente teria constrangido a menor ao passar as mãos nas coxas e seios dela. Em juízo, a vítima relatara não ter havido penetração vaginal, em oposição ao que afirmado na fase de investigação.
O Ministro Marco Aurélio (relator) deu provimento ao recurso.
Asseverou que o processo penal pressuporia a concretude da defesa e, no caso, interposto recurso pelo Ministério Público, deveria ter sido designado defensor para formalizar a impugnação. Entendeu que a ausência de defensor dativo designado ao recorrente o mantivera indefeso. Frisou que, ainda que não houvesse pedido expresso por parte da defesa, ao interessado deveria ter sido dado ciência quanto à inclusão do processo em pauta.
Quanto ao tipo penal, o relator assentou que a conduta do réu restringira-se a tocar os seios e as partes íntimas da ofendida e a empreender movimentos no fecho da roupa, sem ultrapassar a barreira da vestimenta dela. Tal proceder não se equipararia àquele em que há penetração ou contato direto com a genitália da vítima, situação em que o constrangimento surge maior, a submissão à vontade do agressor é total e a violência deixa marcas físicas e psicológicas intensas.
Aduziu que o juízo, ao desclassificar o delito de estupro de vulnerável e condenar o recorrente pelo cometimento da contravenção penal versada no art. 65 do Decreto-lei 3.688/1941 (“Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável”), teria atuado em harmonia com o Direito posto, observado o desvalor menor da ação. Assim, a aplicação do princípio da proporcionalidade implicaria menor severidade na repressão.
No tocante ao afastamento da circunstância agravante prevista no art. 61, II, “f”, do Código Penal (“Art. 61 – São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: … II – ter o agente cometido o crime: … f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica”), assinalou que a denúncia ativera-se a apontar o parentesco do recorrente com a genitora da ofendida (tio). Não especificara quais as relações domésticas de hospitalidade mantidas, porquanto não fora consignado se o recorrente compunha o mesmo núcleo familiar da vítima ou se ela encontrava-se hospedada na residência dele. Assim, nesse ponto, não se poderia presumir o extravagante.
Em divergência, o Ministro Edson Fachin desproveu o recurso.
Consignou que, na situação dos autos, não se trataria de defensor dativo, mas de profissional constituído pelo recorrente. Apontou que o advogado fora regularmente intimado para apresentar contrarrazões e não o fizera, o que não configuraria nulidade.
Acerca da matéria de fundo, destacou que a descrição da denúncia faria referência a contato físico havido por dentro da roupa da vulnerável, que fora vitimada em um conjunto de circunstâncias analisadas pelo tribunal de justiça estadual. Dessa forma, estariam presentes os elementos configuradores do delito do art. 217-A do CP, a tipificar o delito de estupro.
Em seguida, pediu vista dos autos a Ministra Rosa Weber.
RHC 133121/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 2.8.2016. (RHC-133121)