Busca e apreensão, violação de correspondência e de domicílio

Busca e apreensão, violação de correspondência e de domicílio

A Primeira Turma iniciou julgamento de recurso ordinário em “habeas corpus” em que se discute a validade de atos realizados durante investigação pela suposta prática de falsidade documental.

No caso, procurador do Ministério Público do Trabalho teria forjado a assinatura da procuradora-chefe, em promoção formulada por si próprio. O relator do inquérito deferira diligência requerida pelo “Parquet” apenas em relação ao equipamento usado pelo indiciado, com a finalidade de averiguar se a promoção fora lá elaborada. Quando do cumprimento do mandado, o procurador-chefe substituto autorizara a arrecadação também do computador do gabinete da chefia da Procuradoria Regional. A defesa insurge-se contra a apreensão desse equipamento, o que transbordaria os limites do mandado, bem assim contra a impossibilidade de indicar assistente técnico e de formular quesitos nessa fase inquisitorial. Além disso, sustenta que se teria procedido à análise do equipamento utilizado pelo recorrente de forma indevida, porque verificada sua correspondência eletrônica lá armazenada, em violação ao art. 5º, XII, da CF.

O Ministro Marco Aurélio (relator) proveu parcialmente o recurso, para anular a apreensão e a perícia feitas em computador diverso do usado pelo recorrente. Determinou, também, o desentranhamento do processo. Além disso, reconheceu, no mais, a validade da perícia realizada no equipamento utilizado pelo acusado e assentou inexistir, no inquérito, direito da defesa à indicação de assistente técnico e à formulação de quesitos.

Assentou que o art. 5º, XII, da CF tutela o sigilo das correspondências, das comunicações telegráficas e telefônicas. A referência a dados abrange a transmissão e o armazenamento, ambos passíveis de afastamento, por decisão judicial, na forma da lei, para fins penais.

Por sua vez, a inviolabilidade do domicílio (CF, art. 5º, XI), alcança bens públicos de uso especial, como gabinetes, por serem o centro da vida privada laborativa de seus integrantes. Nesse sentido, o art. 150 do CP, ao tipificar a invasão de domicílio, esclarece que se tutela, também, compartimento não aberto ao público onde alguém exerce profissão ou atividade. Além disso, o art. 245 do CPP disciplina a forma de execução da busca domiciliar, e o art. 246 do mesmo diploma afirma que idêntica cautela engloba a busca em compartimento não aberto ao público, onde alguém exercer profissão ou atividade.

No caso, o “Parquet” requerera a busca, a apreensão e a perícia nos computadores utilizados pelo recorrente e pela procuradora-chefe. Fora deferido o pedido apenas em relação ao primeiro, com o exclusivo fim de verificar se a promoção supostamente adulterada fora redigida no respectivo equipamento. O procurador-chefe substituto, ao entregar voluntariamente à polícia o computador utilizado pela titular, afastando a inviolabilidade do gabinete e o sigilo de dados dela, dispusera-se de direito alheio. Descabe invocar a teoria do órgão ou a natureza pública do equipamento, porquanto o conteúdo da máquina não diz respeito ao órgão, e sim à pessoa da procuradora que a manipulava. O acesso é possível, mas por ordem judicial. Se, por outro lado, a própria procuradora-chefe tivesse anuído à apreensão do computador, a situação seria diversa.

Destacou entendimento do STF segundo o qual os limites objetivos e subjetivos da busca e apreensão hão de estar no ato que a determine, sem possibilidade de delegar a extensão à autoridade policial (CPP, art. 243, I e II). Nesse sentido, o mandado sob enfoque implementara a arrecadação do computador do recorrente com objetivo único e delimitado: verificar se certa promoção ministerial fora realizada no equipamento. O exame e a perícia dos dados armazenados na máquina se coadunam com o determinado pelo magistrado. A busca na caixa postal eletrônica do recorrente, para identificar se houvera o endereçamento da referida peça processual e, se positiva a resposta, o destino, não discrepa da finalidade da diligência. Nesse aspecto, a inviolabilidade de correspondência subsiste enquanto ela estiver em trânsito, porque uma vez recebida pelo destinatário, transforma-se em documento, passível de apreensão (CPP, art. 240, § 1º, “f”). Considerada a natureza documental ou de dados das mensagens contidas na caixa postal, a inviolabilidade é perfeitamente passível de afastamento por ordem judicial.

No que se refere ao direito do recorrente de indicar assistente técnico (CPP, art. 159, § 5º, II), há de ser exercido durante o curso do processo, e não no inquérito. Uma vez admitida a assistência, a intervenção desenvolve-se após a conclusão dos exames e elaboração dos laudos periciais. A formulação de quesitos pela defesa obedece lógica idêntica. Inexiste, pois, prejuízo ao recorrente, porque é viável postular essas diligências durante a ação penal. O caráter inquisitório da persecução na fase investigatória persiste, inclusive nos feitos submetidos à Lei 8.038/1990.

Em divergência, o Ministro Edson Fachin desproveu o recurso. Entendeu que, na hipótese, o fato de ter havido a entrega espontânea dos computadores traduz peculiaridade. Além disso, não cabe falar em violação ao direito à intimidade, por se tratar de material disponibilizado, inclusive, para o serviço público.

Ademais, no que diz respeito à suposta violação do sigilo de correspondência eletrônica, não houvera quebra da troca de dados, mas sim acesso aos dados registrados nos computadores.

Sublinhou, também, no que se refere ao cerceamento de defesa por indeferimento de diligência no curso da investigação, não ser o momento próprio para se invocar o exercício do contraditório e da ampla defesa. Lembrou, inclusive, que a denúncia já fora recebida.

Em seguida, pediu vista a Ministra Rosa Weber.
RHC 132062/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 9.8.2015. (RHC-123062)

Autor: guimadeira

Sou um cara de fé que acredita em sonhos. Fã incondicional de Shakespeare, Paulo Coelho e de Gabriel Garcia Marques, também adoro Neil Gaiman e Steven Spielberg. Ah, também tenho vários livros publicados, sou mestre e doutor em processo penal pela USP e Juiz de Direito. Corredor amador.

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