NULIDADE EM AÇÃO PENAL POR FALTA DE CITAÇÃO DO RÉU.

NULIDADE EM AÇÃO PENAL POR FALTA DE CITAÇÃO DO RÉU.

Ainda que o réu tenha constituído advogado antes do oferecimento da denúncia – na data da prisão em flagrante – e o patrono tenha atuado, por determinação do Juiz, durante toda a instrução criminal, é nula a ação penal que tenha condenado o réu sem a sua presença, o qual não foi citado nem compareceu pessoalmente a qualquer ato do processo, inexistindo prova inequívoca de que tomou conhecimento da denúncia. De início, esclareça-se que, em matéria de nulidade, orienta o princípio pas de nullité sans grief que não há nulidade sem que o ato tenha gerado prejuízo para a acusação ou para a defesa. Não se prestigia, portanto, a forma pela forma, mas o fim atingido pelo ato. Por essa razão, a desobediência às formalidades estabelecidas na legislação processual penal só poderá acarretar o reconhecimento da invalidade do ato quando a sua finalidade estiver comprometida, em prejuízo às partes da relação processual. A demonstração do prejuízo – que, em alguns casos, por ser evidente, pode decorrer de simples procedimento lógico do julgador – é reconhecida pela jurisprudência atual como essencial tanto para a nulidade relativa quanto para a absoluta, conforme retratado pelo STF por ocasião do julgamento do HC 122.229-SP (Segunda Turma, DJe 29/5/2014). Nesse contexto, é exigência fundamental ao exercício do contraditório o conhecimento, pelo acusado, de todos os termos da acusação, para que possa participar ativamente da produção de provas e influenciar o convencimento do juiz. A citação, ato essencial e mais importante do processo, deve ser induvidosa, e sua falta somente poderá ser sanada nos termos do art. 570 do CPP, quando o interessado comparecer espontaneamente aos autos, demonstrando, de maneira inequívoca, que tomou ciência da denúncia que lhe foi formulada. Quando o advogado é constituído antes do oferecimento da denúncia, é, de fato, possível que ele tenha informado o cliente sobre o desenrolar do processo, mas isso se trata de mera conjectura que não pode afastar o vício grave da relação, que se desenvolveu sem a presença do principal sujeito processual, o réu. Na presente hipótese, a relação processual não foi constituída de forma válida, até porque o comparecimento do advogado nos autos da ação penal também não foi espontâneo e o processo prosseguiu, em sua totalidade, sem a presença do acusado. Nem se diga que o prejuízo deixou de ocorrer porque o advogado particular atuou durante a instrução criminal, pois não se pode perder de vista que a defesa se desdobra na defesa técnica e na autodefesa, esta última relacionada à possibilidade de que o próprio acusado intervenha, direta e pessoalmente, na realização dos atos processuais. Saliente-se, ainda, que a autodefesa não se resume à participação do acusado no interrogatório judicial, mas há de se estender a todos os atos de que o imputado participe. Na verdade, desdobra-se a autodefesa em “direito de audiência” e em “direito de presença”, é dizer, tem o acusado o direito de ser ouvido e falar durante os atos processuais (e não apenas, como se verifica no direito brasileiro, em seu interrogatório judicial), bem assim o direito de assistir à realização dos atos processuais. O direito em questão implica, portanto, uma série de possibilidades para o acusado, quais sejam: (a) presença em juízo; (b) conhecimento dos argumentos e das conclusões da parte contrária; (c) exteriorização de sua própria argumentação; (d) demonstração dos elementos de fato e de direito que constituem as suas razões defensivas; e (e) propulsão processual. Convém sublinhar que tanto o direito de audiência quanto o direito de presença podem ser exercitados de forma passiva, negativa, sem que isso represente ausência de defesa. É, portanto, expressão da autodefesa o direito ao silêncio, reconhecido ao acusado como corolário de seu direito de não se autoincriminar (privilege against self incrimination), visto que, de acordo com antigo preceito do Direito Canônico, ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si ou a delatar-se (nemo tenetur se detegere ou nemo tenetur se ipsum accusare). De igual modo, constitui exercício de tal direito a deliberada e voluntária atitude do acusado de não se fazer presente nos atos do processo criminal, ou mesmo em todo ele. Logo, se de um lado o Estado deve facilitar a presença do acusado durante o julgamento da causa, há de respeitar, a seu turno, eventual escolha de ele não comparecer a seus atos. Não se trata, pois, de direito indisponível e irrenunciável do réu, tal qual a defesa técnica – conforme positivado no art. 261 do CPP, cuja regra ganhou envergadura constitucional com os arts. 133 e 134 da CF -, mas o seu cerceamento enseja grave prejuízo ao acusado, por suprimir dele a possibilidade de participação ativa na melhor reconstrução histórica dos fatos sob julgamento. REsp 1.580.435-GO, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 17/3/2016, DJe 31/3/2016.

Autor: guimadeira

Sou um cara de fé que acredita em sonhos. Fã incondicional de Shakespeare, Paulo Coelho e de Gabriel Garcia Marques, também adoro Neil Gaiman e Steven Spielberg. Ah, também tenho vários livros publicados, sou mestre e doutor em processo penal pela USP e Juiz de Direito. Corredor amador.

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