AUSÊNCIA DE BIS IN IDEM NA DOSIMETRIA DA PENA DE CRIME DE TORTURA.

AUSÊNCIA DE BIS IN IDEM NA DOSIMETRIA DA PENA DE CRIME DE TORTURA.

No caso de crime de tortura perpetrado contra criança em que há prevalência de relações domésticas e de coabitação, não configura bis in idem a aplicação conjunta da causa de aumento de pena prevista no art. 1º, § 4º, II, da Lei n. 9.455/1997 (Lei de Tortura) e da agravante genérica estatuída no art. 61, II, f, do Código Penal. A causa de aumento prevista pela legislação especial (art. 1º, § 4º, II, da Lei de Tortura) está descrita nos seguintes termos: “§ 4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço: […] II – se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos”. A seu turno, a circunstância agravante prevista no Código Penal possui a seguinte redação: “Art. 61 – São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: […] II – ter o agente cometido o crime: […] f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica”. De fato, a citada majorante prevista na Lei de Tortura busca punir de forma mais rígida o autor de crime que demonstrou maior covardia e facilidade no cometimento da infração penal, justamente pela menor capacidade de resistência das vítimas ali elencadas. Há, pois, um nexo lógico entre a conduta desenvolvida e o estado de fragilidade da vítima. Em sentido diametralmente oposto, descortina-se a referida agravante prevista pelo Código Penal, punindo com maior rigor a violação aos princípios de apoio e assistência que deve haver nas situações em que há relação de autoridade entre a vítima e o agressor, bem como a maior insensibilidade moral do agente, que viola o dever de apoio mútuo existente entre parentes e pessoas ligadas por liames domésticos, de coabitação ou hospitalidade, sem prejuízo dos crimes praticados com violência doméstica contra a mulher. Em suma, a majorante tem por finalidade punir de forma mais severa aquele que se favorece da menor capacidade de resistência da vítima, ao passo que a agravante tem por desiderato a punição mais rigorosa do agente que afronta o dever de apoio mútuo existente entre parentes e pessoas ligadas por liames domésticos, de coabitação ou hospitalidade, além dos casos de violência doméstica praticada contra a mulher. Portanto, em se tratando de circunstâncias e objetivos distintos, não há falar na ocorrência de bis in idem. HC 362.634-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, por unanimidade, julgado em 16/8/2016, DJe 29/8/2016.

Autor: guimadeira

Sou um cara de fé que acredita em sonhos. Fã incondicional de Shakespeare, Paulo Coelho e de Gabriel Garcia Marques, também adoro Neil Gaiman e Steven Spielberg. Ah, também tenho vários livros publicados, sou mestre e doutor em processo penal pela USP e Juiz de Direito. Corredor amador.

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