Réu em processo-crime e substituição presidencial – 2
O Tribunal referendou parcialmente medida cautelar deferida em arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) para assentar que os substitutos eventuais do presidente da República a que se refere o art. 80 da Constituição Federal, caso ostentem a posição de réus criminais perante o Supremo Tribunal Federal, ficarão impossibilitados de exercer o ofício de presidente da República e, por maioria, negou referendo à liminar, no ponto em que ela estendia a determinação de afastamento imediato desses mesmos substitutos eventuais do presidente da República em relação aos cargos de chefia e direção por eles titularizados em suas respectivas Casas.
O ministro Marco Aurélio (relator) deferiu a medida cautelar para afastar senador da Presidência do Senado Federal, por reputar presentes a urgência, a relevância do pedido e o comprometimento da segurança jurídica com a manutenção, na chefia daquela Casa legislativa, de cidadão que guarda a condição de réu. Considerou a decisão de recebimento, em parte, da denúncia oferecida contra o citado parlamentar pela suposta prática de crime de peculato nos autos do Inq 2.593/DF (julgamento em 1º.12.2016) e, ainda, o fato de a maioria absoluta do Plenário já ter proferido voto na ADPF no sentido da procedência do pedido (v. Informativo 846).
O relator asseverou, ademais, que o tema de fundo já teria sido definido pelo Tribunal, sem qualquer ressalva, no julgamento da AC 4.070 MC-REF/DF (DJU de 21.10.2016), ao referendar liminar para suspender deputado do exercício do mandato parlamentar e da função de presidente da Câmara dos Deputados, considerado o recebimento parcial da denúncia oferecida contra ele nos autos do Inq 3.983/DF (v. Informativo 816).
O ministro Celso de Mello, primeiro voto divergente, entendeu, entretanto, não se justificar o afastamento cautelar do atual presidente do Senado Federal, no que foi acompanhado pelos ministros Teori Zavascki, Dias Toffoli, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia.
Ressaltou que a cláusula inscrita no art. 86, § 1º, da Constituição Federal torna claro o sentido de intencionalidade do constituinte, que quis impor ao presidente da República o afastamento cautelar (e temporário) do desempenho do mandato presidencial, considerada, em essência, a exigência de preservação da respeitabilidade das instituições republicanas, que constitui, na verdade, o núcleo que informa e conforma esse processo de suspensão preventiva.
Por isso, os substitutos eventuais do presidente da República, se tornados réus criminais perante o Supremo Tribunal Federal, não poderiam ser convocados para o desempenho transitório do ofício presidencial, pois não teria sentido que, ostentando a condição formal de acusados em juízo penal, viessem a dispor de maior poder jurídico, ou de maior aptidão, que o próprio chefe do Poder Executivo da União, titular do mandato presidencial.
Por consequência, os agentes públicos que detêm as titularidades funcionais que os habilitam, constitucionalmente, a substituir o chefe do Poder Executivo da União em caráter eventual, caso tornados réus criminais perante esta Corte, não ficariam afastados, “ipso facto”, dos cargos de direção que exercem na Câmara dos Deputados, no Senado Federal e no Supremo Tribunal Federal. Na realidade, apenas sofreriam interdição para o exercício do ofício de presidente da República.
Assim, a substituição a que se refere o art. 80 da Constituição Federal ocorreria “per saltum”, de modo a excluir aquele que, por ser réu criminal perante a Corte Suprema, estaria impedido de desempenhar o ofício de presidente da República.
Isso, contudo, não impediria nem obstaria que esse substituto eventual, embora inabilitado para o exercício temporário da função de presidente da República, continuasse a desempenhar a função de chefia que titulariza na Casa a que pertence: a Câmara dos Deputados, o Senado Federal ou o Supremo Tribunal Federal.
Dessa forma, não justificaria o afastamento cautelar do presidente do Senado Federal da posição para a qual foi eleito por seus pares, especialmente por não haver “periculum in mora”, pois, na eventualidade do impedimento do presidente da República, a convocação para substituí-lo recairia, observada a ordem de vocação estabelecida no art. 80 da Carta Política, na pessoa do presidente da Câmara dos Deputados, inexistindo, desse modo, razão para adotar-se medida tão extraordinária como a imposta pela decisão em causa.
Caso existisse “periculum in mora”, seria em sentido inverso, tendo em conta que a medida cautelar deferida, “incidenter tantum”, na presente sede processual poderia inibir ou interferir no funcionamento da Câmara Alta do Congresso Nacional, afetando-lhe as atividades institucionais e projetando-se, ante os inevitáveis reflexos políticos daí resultantes, com grande impacto sobre a própria agenda legislativa do Senado Federal, em contexto no qual se destaca, de modo preocupante, a crise gravíssima e sem precedentes que assola o nosso País.
Vencidos, parcialmente, os ministros Marco Aurélio (relator), Edson Fachin e Rosa Weber, que referendavam integralmente a liminar deferida pelo relator.
ADPF 402 MC-REF/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 7.12.2016. (ADPF-402)