Réu em processo-crime e substituição presidencial – 3

Réu em processo-crime e substituição presidencial – 3

O Tribunal retomou o julgamento de mérito de arguição de descumprimento de preceito fundamental em que se discute a possibilidade de parlamentar réu em ação penal ocupar cargos que estejam na linha de sucessão da Presidência da República — v. Informativos 846 e 850.

O ministro Dias Toffoli, em voto-vista, acompanhou o ministro Celso de Mello, no sentido de julgar parcialmente procedente o pedido formulado, para consignar que os substitutos eventuais do presidente da República a que se refere o art. 80 da CF, caso ostentem a posição de réus criminais perante o STF, ficarão unicamente impossibilitados de exercer o ofício de presidente da República, embora conservem a titularidade funcional da chefia e direção de suas respectivas Casas.

Afirmou, inicialmente, que a previsão de suspensão do presidente da República de suas funções (CF, art. 86, § 1º) tem como fundamentos a moralidade pública e o princípio republicano e revela o intuito de preservar a dignidade de importante função pública ante o recebimento de ação penal pelo STF. Entretanto, asseverou não se poder avançar ao ponto de se concluir que a existência de ação penal em curso torna o acusado inabilitado para ocupar os cargos referidos no art. 80 da CF. Observou que a plena compreensão do citado art. 86, § 1º, passa pela leitura dos seus §§ 2º e 4º.

Em relação ao § 2º, ponderou que a existência de ação penal em curso não acarreta a perda do cargo de presidente da República, mas apenas o afastamento de seu titular, por período não superior a 180 dias, o qual deve retornar ao cargo se, decorrido aquele período, o julgamento não tiver sido concluído. Ou seja, o afastamento referido no § 1º do art. 86 da CF não é definitivo. Trata-se de providência de natureza acautelatória e reversível, pois o presidente retorna ao exercício de suas funções caso o julgamento não seja concluído no prazo. Sustentou que isso não poderia ser diferente, haja vista militar em favor do presidente da República a presunção de inocência (CF, art. 5º, LVII). Para o ministro Dias Toffoli, é claro, diante disso, que a Constituição não estabeleceu a absoluta incompatibilidade entre a existência de ação penal em curso e o exercício da presidência da República.

No que se refere ao § 4º do art. 86, o ministro salientou que a responsabilização do presidente da República, durante o exercício do mandato, ocorre apenas em razão de atos praticados no exercício das atribuições que são inerentes ao cargo. A Constituição veda, portanto, que o presidente da República seja criminalmente responsabilizado por infrações penais cometidas antes do início do exercício do mandato, ou, se cometidas no exercício do mandato, que não guardem correlação com as funções de presidente da República.

O afastamento cautelar se dá em razão da existência de processo penal acerca de atos praticados no exercício da função presidencial. É como se a denúncia recebida colocasse o titular do cargo sob suspeição para o exercício de tais funções, razão pela qual se torna necessário o seu afastamento. Portanto, também a partir da análise do § 4º do art. 86, não existe uma incompatibilidade absoluta entre a existência de ação penal em curso e o exercício da presidência da República. Frisou que a pessoa que seja ré em ação penal por crime não relacionado à função (em processo instaurado, por exemplo, antes da posse) pode até mesmo ocupar a presidência da República, sendo plenamente elegível para o cargo. Isso se depreende da leitura conjunta do mencionado preceito e do que dispõe a Lei de Inelegibilidades (LC 64/1990, com a redação dada pela LC 135/2010). De acordo com esse normativo, somente se considera inelegível, para qualquer cargo, aquele que seja condenado, em decisão transitada em julgado ou em decisão proferida por órgão judicial colegiado, pela prática dos crimes elencados no art. 1º, I, “e”.

O ministro também consignou que, enquanto o afastamento referido no § 1º do art. 86 está ligado exclusivamente a ações praticadas no exercício do cargo de presidente da República, no regime constitucional aplicável aos parlamentares e aos ministros do STF, inclusive aos respectivos presidentes, admite-se o processamento por crime comum não relacionado ao exercício de suas funções. Por essa razão, qualquer tentativa de transpor a previsão de afastamento do presidente da República para titulares de outros cargos sem que haja previsão constitucional geraria complexidades inerentes à transposição de uma norma de determinado universo temático para outro completamente distinto. Citou, como exemplo, a dúvida a respeito da natureza dos crimes que poderiam ensejar a incompatibilidade entre o ser denunciado e o exercício dos cargos de presidente da Câmara, do Senado ou do STF.

Além disso, observou que, ao passo que a Carta de 1988 estabelece o afastamento cautelar e temporário do presidente da República, o qual continua a titularizar o cargo de chefe do Poder Executivo, propugna-se a absoluta incompatibilidade entre aquele que é réu em ação penal perante a Suprema Corte com o exercício da presidência da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do STF.

Para o ministro Dias Toffoli, a interpretação ampla que se busca na ADPF criaria verdadeira hipótese de inelegibilidade para os cargos internos de presidente dos órgãos mencionados no art. 80 da CF. Caso fixado esse entendimento, o Tribunal estaria exercendo excessiva ingerência, sobretudo nas atribuições internas do Poder Legislativo, estabelecendo distinção entre deputados e senadores no que tange à possibilidade de ocupar a presidência da respectiva Casa e conferindo, em última análise, um desvalor ao mandato do parlamentar ao lhe retirar parte das prerrogativas de sua representatividade política.

O ministro ainda apontou que a previsão de afastamento cautelar do art. 86, § 1º, da CF constitui uma exceção drástica, legitimamente estabelecida pelo constituinte originário ao já mencionado princípio da presunção de inocência. Se acolhida a tese propugnada na ADPF, por meio de interpretação judicial, seria ampliada desmedidamente uma exceção a um princípio fundamental da Constituição.

Considerou também equivocada a tese de equiparação entre os requisitos de permanência na Presidência da República e os requisitos para a própria titularidade dos cargos previstos no art. 80 da CF. Com efeito, a partir do raciocínio de que os ocupantes dos cargos integrantes da linha sucessória da Presidência da República devem ostentar as características necessárias à titularidade da chefia do Poder Executivo, seria exigida dos aspirantes à presidência da Câmara, por exemplo, a idade mínima de 35 anos, não obstante a idade mínima para ser elegível como deputado federal seja apenas de 21 anos. Seria criado um requisito para assunção dos cargos de presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do STF sem qualquer previsão na Constituição, na legislação ordinária ou no regimento das Casas.

Dessa forma, a inelegibilidade para os cargos que figurem na linha sucessória da Presidência da República como efeito do recebimento de denúncia pelo STF, além de constituir consequência demasiadamente gravosa diante do que há na Constituição Federal, representaria um salto interpretativo muito largo, que nos colocaria diante de questões de difícil solução.

Reputou que a substituição “per saltum” da autoridade pertinente é plenamente viável e constitucional. Primeiro, porque a substituição do presidente da República não é a única nem a mais relevante das funções exercidas pelos presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do STF, os quais somente exercem essas funções de forma pontual ou transitória. Segundo, por ser situação bastante comum que essas autoridades possam estar momentaneamente impedidas de desempenhar a função de presidente da República, até mesmo por questões pessoais, hipótese em que normalmente já são chamados os subsequentes.

Por fim, concluiu que, fora da hipótese constitucionalmente prevista que autoriza o afastamento automático do presidente da República em razão do mero recebimento de denúncia, somente mediante a demonstração concreta do “periculum libertatis”, isto é, da situação de perigo gerada pelo estado de liberdade do imputado, seria possível determinar o afastamento dos cargos de presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do STF, com fundamento nos arts. 282 e 319, VI, do Código de Processo Penal, sob pena de ofensa ao princípio da presunção de inocência como norma de tratamento.

O ministro Ricardo Lewandowski acompanhou o voto do ministro Celso de Mello. Em seguida, o ministro Gilmar Mendes pediu vista dos autos.
ADPF 402/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 1º.2.2017. (ADPF-402)

Autor: guimadeira

Sou um cara de fé que acredita em sonhos. Fã incondicional de Shakespeare, Paulo Coelho e de Gabriel Garcia Marques, também adoro Neil Gaiman e Steven Spielberg. Ah, também tenho vários livros publicados, sou mestre e doutor em processo penal pela USP e Juiz de Direito. Corredor amador.

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