Reclamação e prisão preventiva
O Plenário negou provimento a agravo regimental em reclamação no qual se discutia a legitimidade da prisão preventiva do reclamante e, por maioria e de ofício, indeferiu a ordem de “habeas corpus”.
No caso, o agravante sustentava que a autoridade reclamada teria violado as decisões proferidas pelo STF nas Ações Cautelares 4.070/DF (DJE de 21.10.2016) e 4.175/DF (DJE de 19.9.2016). Alternativamente, requeria a concessão da ordem de “habeas corpus” de ofício, em vista da ausência de requisitos que justificassem a decretação da prisão preventiva, o que configuraria flagrante constrangimento ilegal.
O Tribunal afirmou que, ao julgar as referidas ações cautelares, não se manifestou sobre os requisitos da prisão preventiva, o que impede a utilização da reclamação.
Verificou, também, que o agravante impetrou “habeas corpus” quando a discussão a respeito dos requisitos de sua prisão preventiva estavam em análise no STJ. Por essa razão, é prematura a manifestação do STF sobre o tema antes de esgotadas as instâncias antecedentes.
O cabimento de reclamação deve ser aferido nos estritos limites das normas de regência, que a concebem para a preservação da competência do STF ou para garantia da autoridade de suas decisões (CF, art. 102, I, “l”). A reclamação não se destina, destarte, a funcionar como sucedâneo recursal nem se presta a atuar como atalho processual destinado a submeter a mais alta Corte do País, “per saltum”.
Afinal, é assente na jurisprudência do STF a concepção segundo a qual a competência originária da Suprema Corte se submete ao regime de direito estrito, não admitindo interpretação extensiva.
A despeito da dicção do art. 654, § 2º, do CPP, segundo o qual “Os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de ‘habeas corpus’, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal”, tal regra não dispensa a observância do quadro de distribuição constitucional das competências para conhecer do “habeas corpus”. Vale dizer, somente o órgão jurisdicional competente para a concessão da ordem a pedido pode conceder o “writ” de ofício.
Nessa linha, ainda que o STF seja Corte de vértice, a Constituição somente lhe outorgou competência para “habeas corpus” “quando o coator for tribunal superior ou quando o coator ou o paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do STF, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância”, nos exatos termos do art. 102, I, “i”, da CF, e quando for paciente o presidente da República, o vice-presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios ministros, o procurador-geral da República, os ministros de Estado, os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os membros dos tribunais superiores, do TCU e os chefes de missão diplomática de caráter permanente, em razão da incidência da regra prevista no art. 102, I, “d”, combinado com o art. 102, I, “b” e “c”, todos da CF.
Portanto, é necessário que o tema tenha sido submetido às instâncias antecedentes e que se possa depreender ato coator praticado por tribunal superior, ainda que se tenha por ato coator a omissão em conceder um “habeas corpus” de ofício diante de uma ilegalidade cujo conhecimento fosse possível. Vale dizer, a Suprema Corte pode conceder a ordem de ofício, se verificar que um tribunal superior teve a oportunidade de sanar uma coação ilegal e não o fez.
Ademais, se houve coação ilegal contra o agravante, essa não seria mais imputável ao juiz de primeiro grau, autoridade reclamada. O reclamante impetrou “habeas corpus” perante tribunal regional, que denegou a ordem. Essa situação que faz da corte regional, caso seja mesmo ilegal a prisão do agravante, a autoridade coatora. Há, portanto, alteração do título, o que torna sem objeto o pedido de concessão de ordem de ofício.
O STF tem entendido que se torna desnecessária a análise de impetrações quando o estado de liberdade é alvo de ato jurisdicional superveniente e autônomo, que desafia impugnação própria, em evidente hipótese de prejudicialidade.
Vencido o ministro Marco Aurélio, que concedia a ordem de ofício. Pontuava não haver fundamento idôneo para a manutenção da prisão preventiva. Além disso, frisava que o “habeas corpus” não sofreria qualquer peia. O fato de haver outro “writ” submetido ao crivo do STJ não impediria a apreciação do “habeas corpus” de ofício pelo STF, pouco importando que isso implicasse queima de etapa ou supressão de instância.
Rcl 25509 AgR/PR, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 15.2.2017. (Rcl-25509)