Defesa prévia e prerrogativa de foro

Defesa prévia e prerrogativa de foro

A Primeira Turma iniciou julgamento de questão de ordem em ação penal em que se discute nulidade processual em face do recebimento de denúncia sem defesa prévia, bem como em razão da não observância da prerrogativa de foro conferida a prefeitos (CF, art. 29, X).

No caso, foi instaurada ação penal contra o então prefeito, hoje deputado federal, e outros, pela suposta prática do delito de fraude em licitação pública, previsto no art. 90 da Lei 8.666/1993 [“Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação: Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa”] e, também, pelo crime de responsabilidade de prefeito previsto no art. 1º do Decreto-LeiSão crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: I – apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio”).

O juízo de origem recebeu, primeiramente, a denúncia quanto ao crime definido no art. 90 da Lei 8.666/1990 e determinou a notificação dos acusados para apresentarem defesa escrita quanto ao crime de responsabilidade, nos termos do art. 2º, I, do Decreto-Lei 201/1967 (“Antes de receber a denúncia, o Juiz ordenará a notificação do acusado para apresentar defesa prévia, no prazo de cinco dias. Se o acusado não for encontrado para a notificação, ser-lhe-á nomeado defensor, a quem caberá apresentar a defesa, dentro no mesmo prazo”). A defesa alega ofensa ao devido processo legal, tendo em vista que não foi permitido ao acusado apresentar resposta preliminar relativamente à imputação de fraude à licitação.

Sustenta, ainda, ilegalidade da investigação que serviu de apoio à denúncia, uma vez que a autoridade competente para instaurar o inquérito seria o tribunal, ante a prerrogativa de foro do então prefeito. Por fim, defende ausência de justa causa para o oferecimento da denúncia, pois só seria possível imputar ao prefeito o ato de homologação do processo licitatório com base em responsabilização penal objetiva.

O ministro Luiz Fux (relator) resolveu a questão de ordem no sentido de deferir “habeas corpus” de ofício para trancar a ação penal por ausência de justa causa e inépcia da denúncia. A ministra Rosa Weber (revisora) e o ministro Roberto Barroso o acompanharam.

O relator afirmou que o prefeito detém prerrogativa de foro, constitucionalmente estabelecida. Desse modo, os procedimentos de natureza criminal contra ele instaurados devem tramitar perante o tribunal de justiça (CF, art. 29, X). Observou, também, que não houve submissão das investigações ao controle jurisdicional da autoridade competente. Além disso, a denúncia, ao arrepio da legalidade, fundou-se em supostas declarações, colhidas em âmbito estritamente privado, sem acompanhamento de qualquer autoridade pública (autoridade policial, membro do Ministério Público) habilitada a conferir-lhes fé pública e mínima confiabilidade.

O ministro ressaltou que os indícios que serviram de fundamento à denúncia não lograram indicar, nem mesmo minimamente, a participação ou conhecimento dos fatos supostamente ilícitos pelo acusado detentor da prerrogativa de foro perante a Suprema Corte. Também não obedeceram à ritualística procedimental prevista no Código de Processo Penal para a instauração do inquérito policial. Assim, a ausência de liame subjetivo entre o então prefeito e os supostos beneficiários dos recursos públicos, somada à existência de parecer jurídico favorável à homologação da licitação e às indicações de que, no curso da execução do contrato, a própria Administração Pública recusou o pagamento de notas fiscais emitidas pelo suposto beneficiário sem comprovação da entrega dos bens nelas listados, são circunstâncias que ilidem o dolo e a participação do prefeito na prática criminosa.

Sublinhou que o prefeito foi incluído entre os acusados, unicamente, em razão da função pública hierarquicamente superior à dos demais envolvidos, sem indicação mínima de sua participação em prática ilícita, evidenciando-se, por conseguinte, a violação à responsabilidade penal subjetiva, em contraposição à objetiva, cuja demonstração repele a responsabilidade presumida. Portanto, o recebimento da denúncia quanto ao crime licitatório não observou o direito de resposta preliminar do acusado, previsto em procedimento especial, que prevalece sobre o comum. Consectariamente, deve ser desde logo reconhecida a extinção da punibilidade do crime definido no art. 90 da Lei 8.666/1993, tendo em vista que a decisão válida de recebimento da denúncia ocorreu em 30 de janeiro de 2014, quando o delito licitatório já havia sido alcançado pela prescrição, ocorrida em 3.8.2013, considerada a pena máxima em abstrato.

O relator determinou a remessa dos autos ao juízo de origem, para as providências cabíveis quanto aos demais acusados.

A ministra revisora ponderou que a instauração de inquérito contra prefeito poderia ser realizada pela autoridade policial.

Em seguida, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do ministro Marco Aurélio.
AP 912/PB, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 14.2.2017. (AP-912)

Autor: guimadeira

Sou um cara de fé que acredita em sonhos. Fã incondicional de Shakespeare, Paulo Coelho e de Gabriel Garcia Marques, também adoro Neil Gaiman e Steven Spielberg. Ah, também tenho vários livros publicados, sou mestre e doutor em processo penal pela USP e Juiz de Direito. Corredor amador.

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