Qual o problema com os coaches?

Não raras vezes vemos perfis em redes sociais de coaches: tem coach financeiro, tem coach de estudos para concurso, coach de atividade física, coach de relacionamentos. Enfim, há uma infinidade de coaches.

Há algum problema nisso? Há algum problema nas pessoas de valerem deste tipo de profissional para atingirem seus objetivos?

Quem me conhece sabe que uma das regras que eu me guio é a da “live and let live”, ou seja, viva e deixe viver. Com isso quero dizer que as pessoas devem ter a liberdade para assumir seus projetos de vida da forma que melhor entenderem ou da forma que melhor conseguirem.

A utilização de coaches, por si só, não é ruim. O coach pode lhe dar interessantes e importantes insights sobre aspectos que não estão claros para você.

O problema é a meu ver quando você coloca esse coach como o senhor da sua vida, o senhor de seu destino. Quando você passa a acreditar cegamente no que ele diz.

Precisamos tomar as rédeas de nossas vidas e assumir o compromisso de sermos os responsáveis pelas nossas escolhas. Não podemos terceirizar a função de decidir sobre o que queremos, quando queremos e como queremos.

Immanuel Kant fala sobre isso. Não, meu caro, ele não fala sobre coach mas poderia muito bem ser sobre isso quando no texto Was ist Erklarung (O que é o esclarecimento – alguns traduzem por iluminismo) ele fala que o homem precisa sair de sua menoridade.

Já há algum tempo tenho batido nesta tecla: sair de nossa menoridade significa muita coisa e, dentre tantos significados, eu digo que significa que não podemos delegar a tarefa de decidir sobre nossas vidas a quem quer que seja. Também significa que devemos olhar o mundo com um olhar que procure identificar suas complexidades e não reduzir o mundo a meras e simples oposições. Dá trabalho sair da menoridade e é um processo inacabado, um devir que exige continuamente de cada um de nós.

Respondendo à pergunta do título: qual o problema com os coaches? Rigorosamente nenhum. Como diria um velho conhecido, a culpa meu caro Brutus não está nas estrelas mas em nós.

Quais crimes foram cometidos dia 08.01.23?

    Mais cedo eu publiquei um texto discutindo qual crime cometia aquele que estava na frente dos quarteis gritando “forças armadas salvem a nação”.

    No decorrer do dia assistimos abismados a invasão a Brasília e a destruição de vários prédios e obras públicas. Façamos uma breve análise sobre os crimes que foram aí cometidos.

    Em primeiro lugar, não custa deixar claro, isso não é liberdade de expressão. Isso não está abarcado pela liberdade de expressão.

    O primeiro crime que salta aos olhos e o previsto no artigo 359-L do CP:

    “Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:         (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021). Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência”.

    Houve ali tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito com a restrição do exercício dos poderes constitucionais ante a invasão e destruição daqueles prédios e dos bens ali existentes.

    No entanto não me parece que seja este o único crime.

    Se notarem a pena ela diz, “além da pena correspondente à violência”.

    Ora, neste contexto o CP deixa claro que também deverá ser punida a pena da violência e qual é ela? Vimos pelas imagens que houve agressão a segurança do STF (o que estava a cavalo) e aí a depender da extensão dos danos sofridos por ele pode-se ter lesão corporal leve ou qualificada (art. 129 do CP).

    Além destes crimes vislumbro mais dois ao menos: o crime de dano qualificado (art. 163 do CP) e também o crime de organização criminosa caso haja prova de que as pessoas se organizaram para cometer crimes.

    Não vejo o crime de terrorismo presente pois ele exige finalidade específica nos termos do art. 2 da Lei e não se vislumbra esta finalidade: Art. 2º O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.

    Identificar os crimes cometidos é relativamente simples. O problema maior está em identificar os agentes que cometeram estes crimes.

    É evidente que quem foi pego em flagrante destruindo algum dos poderes vai responder por estes crimes. Isso é simples. A pergunta é, e os demais?

    Todos os que lá estiveram mesmo que não tenham entrado nos prédios irão responder por estes crimes? Aí está um dos pontos de maior dificuldade para o sistema de justiça hoje.

    Eu falei no outro texto e falo novamente.

    O Direito não vai pacificar a sociedade. Com mais de um quarto de século trabalhando com o direito eu aprendi que o Direito pode muito mas não pode tudo.

    Nós do direito temos que descer de nosso Olimpo e entender que há muitas outras formas mais eficazes de se pacificar o conflito. O direito, notadamente o penal, é apenas uma delas e não raras vezes não resolve e causa maiores problemas. Olho com preocupação o rumo que as coisas estão tomando e espero que haja sobriedade e firmeza para lidar com este grave momento.

    Comete crime aquele que está na frente dos quarteis?

    Temos assistido há algum tempo manifestações nas frentes dos quarteis de pessoas pedindo intervenção dos militares. Dentre os variados bordões que gritam está “forças armadas salvem a nação” ou algo similar.

    Proponho aqui dupla discussão: há crime na conduta destas pessoas? Não sendo crime é lícito que haja direito de reunião para fazer este tipo de pedido?

    Em um primeiro momento podemos pensar que estas pessoas cometem crimes contra as instituições democráticas. Não me parece ser contudo este o caso.

    São dois os crimes aqui previstos: os previstos no artigo 359-L e no artigo 359-M:

    Abolição violenta do Estado Democrático de Direito         (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021)        (Vigência)

    Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:         (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021)        (Vigência)

    Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.         (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021)        (Vigência)

    Golpe de Estado         (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021)        (Vigência)

    Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído:         (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021)        (Vigência)

    Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência.      

     Em princípio a mera manifestação destas pessoas afasta a incidência destes crimes pois é exigido que sejam cometido por meio de violência ou grave ameaça. Tendo em vista que, pelo menos até onde se sabe, não praticaram nenhuma manifestação com violência ou grave ameaça não é possível a incidência destes tipos penais.

    Isso não significa que não haja crime por parte destes manifestantes e aqui deve-se tomar muita cautela.

    Podem os manifestantes estarem cometendo o crime previsto no artigo 286 do Código Penal, qual seja, incitação ao crime:

    “ Incitação ao crime

            Art. 286 – Incitar, publicamente, a prática de crime:

            Pena – detenção, de três a seis meses, ou multa.

            Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade.         (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021)        (Vigência)

    A conduta dos manifestantes pode ser identificada como aquela prevista no parágrafo único do artigo 286. Isto porque ao se manifestarem no sentido de que as “forças armadas salvem a nação” parecem indicar que querem a deposição do governo democraticamente eleito.

    Sendo crime a conduta destas pessoas será que todos os que lá estão cometem este crime? E mais, será que o Direito Penal é o instrumento adequado para resolver esta questão?

    Em primeiro lugar devo destacar como esta pena é irrisória e portanto terá pouco ou nenhum efeito sobre os manifestantes vez que de competência do Juizado Especial Criminal que admite até mesmo a transação penal.

    Em segundo lugar me parece que a esperança que se tem no uso do Direito Penal como forma de pacificação da sociedade é uma fórmula que não funcionou até o momento.

    Pelo contrário, a inflação penal faz com que as investigações sejam ineficientes e acabem por gerar maior descrédito das pessoas no próprio sistema penal.

    A tarefa que temos é pacificar o país e isso dificilmente será conseguido por meio do direito penal. É preciso que se atue de maneira a conscientizar estas pessoas e, mais especificamente, sobre aqueles que estimulam estes atos.

    Estas pessoas sim devem ser responsabilizadas: quem manipula as pessoas que lá estão de boa fé e que acreditam na desinformação propalada.

    E poderiam estas pessoas se manifestarem pedindo que as forças armadas cometam crime? A relação entre a liberdade de expressão e o Direito Penal não é de pacífica convivência.

    Lembro que já houve época em nosso país que as pessoas eram presas por pedir a descriminalização da maconha. O STF reconheceu que neste caso haveria proteção constitucional da liberdade de expressão.

    Isso também vale por manifestações que pretendam a descriminalização do aborto. Tem-se reconhecido que não se trata aqui do crime de apologia.

    Diferentemente seria a situação se os manifestante dissessem: “pessoas Brasil, fumem maconha” ou “mulheres brasileiras, abortem sempre”.

    Seja como for há um delicado tema aí: como lidar adequadamente com as pessoas que estão nas frentes dos quartéis e traze-las de volta para a cidadania?

    Este é um tema que deve envolver toda a sociedade e dificilmente o Direito Penal irá resolver a contento este problema.

    Temas e dilemas para o processo penal em 2023

    O Processo Penal é o termômetro democrático da sociedade. Esta bem conhecida frase de James Goldschmidt demonstra a importância do processo penal para a democracia e no Brasil não poderia ser diferente.

    O STF tem cada vez mais estado de maneira entrelaçada com a vida política e o cotidiano do país, notadamente em matéria penal. Não raras vezes os temas acabam por se entrelaçar.

    Aqui está um dos temas centrais que a comunidade jurídica precisará se atentar: como pode o país cumprir as promessas constitucionais de devido processo legal e demais garantias e, ao mesmo tempo, investigar e punir os que violam as leis?

    Destaco a título de exemplo dois temas candentes: o primeiro deles é a análise do Decreto de Indulto do Presidente Bolsonaro. Voltamos à mesma discussão acerca do Decreto de Indulto do Presidente Temer: são os poderes do presidente ilimitados (salvo as restrições constitucionais) ou há outros limites para o indulto?

    Segundo tema que me parece exemplar pode ser resumido no tema da democracia defensiva. Trata-se aqui da teoria desenvolvida a partir dos estudos de Karl Lowenstein que cunhou as bases da democracia militante.

    Trata-se, em linhas gerais, da ideia de que a democracia deve criar mecanismos excepcionais para que se defenda dos ataques autoritários.

    A título de exemplo podemos pensar no problema que gravita em torno do inquérito dos atos antidemocráticos. Qual a linha que separa a defesa da democracia de ser seu próprio veneno?

    É bem conhecida a noção de que a diferença entre remédio é veneno é, em geral, a quantidade ministrada. Espera-se do STF que atue com sobriedade e equilíbrio a fim de que entenda qual a dose que separa remédio de veneno.

    Em 2023 será posto a prova nosso compromisso com a democracia, com a CF e com todas as suas promessas. Acima de tudo buscar formas de concerto entre todas as promessas que, na superfície, apresentam-se de maneira conflituosa.

    PS 1 – Esta é mais uma tentativa de reativação do blog. Meu compromisso em 2023 será escrever um texto por semana com reflexões sobre o mundo jurídico e suas (in)consistências PS 2 – Pela regra da gramática trata-se de ex ocupantes de cargo pelo cargo mais cargo que ocuparam caso não estejam ocupando cargo algum. Daí porque se falar em Presidente Bolsonaro, Presidente Temer, Presidente Sarney, etc…

    Duração razoável do processo?

    Estaria o termo “processo” no inciso LXXVIII do art. 5 da CF errado?

    O ilustre professor e amigo Vinicius Marçal (@vvmarcal) perguntou-me no twitter se o termo processo que consta do artigo 5, LXXVIII seria o mais técnico. Pergunta-me se não seria o correto o uso do termo “procedimento”?

    O artigo 5, LXXVIII foi incluído pela EC 45 e se encontra com a seguinte redação: “LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável

    duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

    A duração

    razoável do processo não é exatamente inédita em nossa legislação. Aparece,

    pela primeira vez, na Constituição de 1934 com a seguinte redação: art. 113, 35:

    “a lei assegurará o rápido andamento dos processos nas repartições

    públicas”.

    Percebe-se já nesta redação a ênfase do legislador no uso de processos como sendo o objeto da duração razoável do processo.

    Nos EUA o termo vem com a 6ª emenda que estabelece o “right to a speedy trial”: aqui destaca-se a ideia de julgamento em prazo razoável e não o uso do termo processo.

    No âmbito das convenções e tratados internacionais destaco a convenção europeia: art. 6.1 – “qualquer pessoa tem direito a que a causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer

    acusação em matéria penal dirigida contra ela”.

    Destaco também a convenção americana de direitos humanos: art. 8, 1: Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias, dentro de um prazo razoável por um juiz ou tribunal competente independente e imparcial, estabelecido por lei na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista,

    fiscal ou de qualquer outra natureza.

    Aí surge a questão: afinal de contas não seria mais técnico que o legislador utilizasse o termo razoável duração do procedimento? Creio que não seria errado o uso do termo “procedimento” no entanto o uso do termo “processo” parece ampliar a proteção.

    Parto aqui do conceito de processo a partir de Élio Fazzalari e de Cândido Rangel Dinamarco: o processo é visto como “procedimento realizado mediante o desenvolvimento da relação entre seus sujeitos, presente o contraditório” (Teoria Geral do Processo, 24ª edição, p.305, Dinamarco et allii).

    Com o uso do termo processo o legislador constituinte parece reforçar a ideia de que a duração razoável do processo é dever do Estado e que todos os intervenientes estão nela inseridos e com ela devem estar comprometidos.

    Esta é a forma como vejo o tema.

    Gosto muito de saber a opinião dos leitores. Deixe sua opinião abaixo.

    Tratamento justo e a necessária responsabilidade

    Na data de ontem, dia 03.11, uma reportagem do jornal The Intercept gerou revolta nas redes sociais em todo o Brasil: nela víamos uma audiência em que a vítima de estupro era tratada de forma desrespeitosa e também éramos informados de que foi acolhida a tese de estupro culposo por parte do magistrado e que absolveu o acusado.

    A revolta foi tamanha que tomou corpo pelo país todo: as mais diversas pessoas se manifestaram sobre o tema. Muitos professores de direito, das mais variadas matérias, comentaram sobre o tema elevando o tom sobre um tema muito delicado.

    Passado o momento da gritaria é necessária alguma reflexão e quero destacar três pontos neste texto e a partir dele convocar a que pensemos juntos para o futuro.

    Em primeiro lugar destaco a forma com que fora tratada a vítima. Ninguém pode ser tratado daquela forma no sistema de justiça. Precisamos tratar as pessoas de maneira respeitosa e gentil.

    Falharam todos naquele ato: seja quem tratou a vítima daquela forma, seja quem permitiu que ela fosse assim tratada. Houve nova revitimização e ela tem minha total solidariedade.

    O que devemos aprender com este chocante desrespeito? Devemos pensar em mecanismos para evitar que atos como estes voltem a se repetir. Este é um grande desafio e devemos todos nos comprometer com ele.

    Em segundo lugar, falou-se em “Estupro culposo”. A matéria do Intercept diz que esta tese foi levantada pelo Ministério Público e acolhida pelo magistrado.

    Bem, isso não é verdade.

    Após ler a as alegações finais do Ministério Público e a sentença do Juiz percebemos que foi o acusado absolvido por falta de provas. Isso mesmo, o fundamento da sentença é a falta de provas.

    Apenas em um lugar constou a tese do estupro culposo: na matéria do intercept. Posteriormente o jornal fez uma nota a sua matéria dizendo que colocou a expressão apenas para resumir o tema. No entanto no corpo da matéria continua o erro de dizer que esta tese, inventada pelo jornal, foi acolhida pelo Juiz.

    O que devemos aprender com isso? Que pelos mais variados motivos a imprensa erra. Que comentar decisão judicial sem ler a decisão é o caminho certo para cometer erros.

    E o que isto fez? Isso acabou por tirar o foco do problema evidente ali: a forma cruel como a vítima foi tratada. Foi um desserviço feito pelo jornal.

    Há por fim um terceiro ponto e este ponto é uma constante em minhas críticas: vi professores das mais variadas matérias comentando sobre um tema que não conhecem e a respeito de uma sentença que não leram.

    É uma pena.

    Professores devem ser responsáveis. Professores tem responsabilidade e cuidado para com seus alunos. Comentar sobre uma matéria que não conhecem e sobre uma sentença que não leram é tratar com desrespeito todos aqueles que são seus alunos.

    Por fim, muitos vieram me perguntar sobre a culpa ou inocência do acusado: eu não tenho como avaliar culpa ou inocência por dois motivos. Primeiro porque não li as provas dos autos. Segundo porque não posso comentar, pelas restrições legais, sobre este tipo de tema.

    Que este caso nos permita refletir sobre o machismo próprio do sistema. Que nos permita criar mecanismo para impedir que novas vítimas de estupro sejam tratadas daquela forma cruel. Que professores repensem seu papel e sua responsabilidade: likes e clicks não valem comentar um caso de matéria que não é sua e de sentença que não leram.

    Medidas cautelares pessoais e duração razoável do processo

    No twitter o brilhante professor e Promotor de Justiça Vinicius Marçal fez uma bela pergunta: como avaliar a duração razoável do processo nos casos envolvendo medidas cautelares diversas da prisão.

    O professor exemplificou com uma medida cautelar diversa da prisão de tornozeleira eletrônica em processo que dura 5 anos e que a ele pareceu desproporcional o que motivou seu pedido de retirada da medida cautelar pessoal.

    Esse é um tema relevantíssimo. Em primeiro lugar concordo com o colega professor quando afirma que 5 anos para medida cautelar diversa da prisão seja algo desproporcional e que portanto deveria ser revogado.

    No entanto ele faz pergunta mais difícil e interessante: qual o parâmetro para se tratar medidas cautelares pessoais diversas da prisão de forma a se buscar razoabilidade e proporcionalidade.

    Entendo que devemos pensar nisso sob a ótica da gradualidade das medidas cautelares pessoas em conjunto com a teoria dos três critérios em sede de duração razoável do processo,

    Vittorio Grevi nos ensina que as medidas cautelares pessoais devem ser impostas em regime de progressiva aflitividade. Podemos aplicar diretamente a medida cautelar mais grave (a prisão) mas em princípio ela deve obedecer esse critério de progressiva aflitividade.

    A meu ver a gravidade da medida cautelar liga-se diretamente a sua duração, que não será uniforme entre as diversas medidas cautelares pessoais.

    Desta forma a medida mais intensa deverá ter a menor duração, ao passo que a medida mais intensa poderá ter maior duração. A questão está em saber se há algum marco objetivo.

    Em meu Curso de Processo Penal sustento que nos casos de afastamento do cargo ou função pública devemos obedecer ao prazo máximo de 180 nos termos do artigo 86, parágrafo 2, da Lei 8112/90.

    No entanto, para as demais medidas cautelares pessoais não há previsão expressa de prazo e aí mora a questão: como garantir a cautelaridade e a duração razoável do processo?

    No twitter fui informado por Antonio Minari Neto que no Mato Grosso do Sul foi editada norma que limita o monitoramento eletrônico a 180 dias.

    Embora louvável a existência de normas como essas, o fato é que resvala na independência judicial e também no princípio da legalidade: poderia norma administrativa limitar algo que a lei não limita? Há rico debate aberto aqui.

     Na jurisprudência temos posições vacilantes.

    Desde julgados reconhecendo que não há prazo:

    “1. A imposição das medidas cautelares previstas no art. 319, VI, do Código de Processo Penal, não está sujeita a prazo definido, porém,
    deve-se levar em  em consideração o momento em que foi estabelecido
    o afastamento das funções públicas e a demonstração efetiva de sua
    necessidade para o alcance dos objetivos almejados na ação penal.” (STJ, HC 582959 / RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe 22.09.20)

    A primeira turma do STF também entendeu da mesma forma no HC 187502/MG teve decisão liminar do Ministro Marco Aurelio cassada em que ele fixava prazo para a observação de suspensão de atuação profissional.

    Já no caso envolvendo o governador do Rio de Janeiro foi estabelecido pelo STJ prazo de afastamento de 180 dias embora não tenha sido imposta limitação de renovações.

    Este é um tema rico e que merece reflexão. Precisamos estabelecer prazo para a duração das medidas cautelares pessoais. Creio que o critério deva passar pela teoria dos três critérios que é utilizada para a análise da prisão.

    Ainda há um longo caminho a percorrer neste tema.

    Algumas reflexões sobre o Caso Robinho

    Nos últimos dias veio a tona novamente o chamado “Caso Robinho” por conta de sua contratação pelo Santos. Gostaria de chamar a atenção para alguns pontos e ouvi-los sobre eles.

    Em primeiro lugar de se destacar que, dadas as reações de muitos, é de se perceber como a cultura machista e a chamada cultura do estupro está impregnada em nossa sociedade. Cabe a nós homens escutarmos atentamente o que cada mulher tem a dizer sobre isso e aprender com elas. Não tenho lugar de fala sobre isso e não quero me alongar de forma que sugiro que o leitor converse com suas amigas mais chegadas ou irmãs ou primas e perguntem sobre o assédio que cotidianamente sofrem. Como eu disse, precisamos ouvir.

    O ponto que me chama a atenção é de como este caso (aliado ao caso do Andre do Rap) estão sendo utilizados para mostrar suposta incongruência daqueles que defendemos a observância do devido processo legal e ao mesmo tempo temos restrições à contratação do jogador pelo Santos. Com isso pretendem buscar a saída pelo recrudescimento penal brasileiro de um caso ocorrido na Itália…

    Quero então tecer algumas ponderações.

    O jogador tem e deve ter todos os direitos que a legislação italiana e europeia convencional lhe garantam. Pretender que o jogador não tenha o direito ao devido processo legal para a formação da culpa é renunciar aos avanços civilizatórios reclamados desde Beccaria.

    Isso não significa contudo que se pode, por força das garantias processuais penais, querer manietar os movimentos legítimos da sociedade de pressão ao Santos para que não contrate o jogador.

    As relações privadas do time de futebol passam por diversos interesses e um deles é o interesse comercial de seus patrocinadores. Por se tratarem de relações privadas é justo e legítimo que as mulheres e todos os que lhes são solidários pressionem o time de futebol.

    É absolutamente legítimo e humano que cada pessoa sinta uma gama variada de sentimentos ruins pelo crime de que é acusado Robinho. É absolutamente legítimo que se pressione o time de futebol a não contratar com ele. É absolutamente legítimo que se clame pelo devido processo legal.

    Estas duas posições não são antagônicas e excludentes. As redes sociais forçam ao raciocínio simplista e pouco sofisticado. Elas planificam as peculiaridades e não nos permitem compreender a complexidade da vida.

    Que Robinho continue a ter o devido processo legal e que a sociedade caminhe cada vez mais deixando clara sua mensagem: estupradores, não passarão!

    O mesmo velho erro?

    Na data de hoje o STF julgará importantes questões: trata-se da aplicação e extensão do artigo 316, parágrafo único do Código de Processo Penal bem como saber se tem o Presidente do STF poderes para suspender liminar em Habeas Corpus concedida por outro Ministro do STF.

    Desde a decisão do Ministro Marco Aurélio tenho observado movimentação nas redes sociais e whatsapp com argumentos exóticos: “os presos todos serão liberados”; “isso é coisa para defender bandido”; “agora o líder do crime organizado está solto para tocar o terror” e por aí vai.

    O que me assusta é que este método é continuamente utilizado para manipular a população em favor de determinada tese. Lembro que a Lava Jato tinha por uma das linhas de atuação utilizar a imprensa para ganhar o apoio da população como se viu em texto publicado pelo Ministro Moro quando ainda era juiz.

    Que a população ceda a este tipo de apelo é natural e compreensível. Trata-se em geral de leigos que são, em matéria de direito, altamente manipuláveis (assim como nós do direito somos altamente manipuláveis em áreas que não são da nossa expertise).

    No entanto o que me assusta e incomoda é que pessoas formadas em direito cedam a este tipo de manipulação. Cedam ao medo como forma de raciocínio.

    Se admitimos que o direito é ciência, devemos pensar nele com princípios, regras e como um sistema que merece interpretação racional e não baseado no medo.

    Cada um pode ter a posição que entender mais adequada sobre o artigo 316 mas que o faça em argumentos racionais e não baseado na manipulação e no medo. Ou então que saiba que está sendo manipulado e aceite por convicção ideológica ser manipulado.

    2 anos

    No dia 11.07 de 2017 eu acordei às 5:30. Fui treinar com a equipe de corridas. Tirei essa foto com meu amigo @fasores

    Trabalhei. Dei aulas.

    Naquela noite o @alyssonrachid virou-se para mim e disse: está tudo bem? E eu respondi que estava tudo bem. Ele insistiu mais algumas vezes e disse que sentia que havia algo estranho.

    Voltei pra casa. Preparei uma conferência até a 0:30. Tomei banho. Jantei. Fumei aquele que seria meu último cigarro e fui dormir.

    Chegando no quarto uma dor lancinante no peito me jogou ao chão.

    Na hora pensei: estou infartando. Troquei de roupa. Peguei a carteira. Celulares.

    Fui até a garagem.

    Rezei um pai nosso. Pedi que minha mãe (falecida) me ajudasse.

    E fui aos prantos dirigindo ao hospital. Disse a Deus que se permitisse que eu chegasse com vida eu nunca mais fumaria na vida.

    No hospital a confirmação: era um infarto.

    Fui de ambulância para outro hospital e nela escrevi para todos os que amava.

    Disse que estava tudo em ordem e que não se preocupassem (fui tolo, admito).

    Depois por cerca de 4 horas fiquei na mesa de operações em que foram colocados dois stents no meu coração (95% de obstrução do tronco do coração).

    Naquelas 4 horas só pensei em uma coisa: cara, que injusto. Não acredito que vou morrer. Pqp que injusto.

    Pois bem, não morri. Ao menos acho que não rs.

    Tento viver cada dia com aquela lembrança.

    No final do dia, o saldo tem que ser positivo.

    A vida tem que valer a pena ser vivida.

    Tem dias que isso não rola, mas busco isso constantemente.

    Viver é o maior barato!

    Obrigado Deus, eu continuo cumprindo o meu trato.

    Comemoro hoje 2 anos de vida (acho que dia 11 faz mais sentido que dia 12 pois ainda não tinha ido dormir rs).

    A todos os companheiros de jornada, obrigado! Vocês fazem valer a pena.

    A foto do dia