O Ministro da Justiça Sérgio Moro apresentou hoje seu projeto de lei “anticrime”. Abaixo farei algumas breves considerações sobre os aspectos processuais que mais me chamaram a atenção neste projeto. Antes, porém, algumas premissas são necessárias.
Em primeiro lugar é importante lembrar que quando há leis novas ou projetos de lei, automaticamente temos dois grandes grupos de pessoas: aqueles para quem TUDO é inconstitucional e aqueles para quem NADA é inconstitucional. Tenho uma preguiça lascada disso e desde já afasto este tipo de conduta aqui.
Em segundo lugar gostaria de lembrar que o Ministro Sérgio Moro não é mais juiz. Ele agora é um político que foi juiz. Aparentemente óbvio, este disclaimer é importante pois não devemos nunca nos esquecer, políticos tem interesse e quem abandona a magistratura não é mais juiz.
Não comentarei aqui sobre os aspectos de direito material, mas apenas sobre os de direito processual.
1 – O Nome do projeto
O nome do projeto causa alguma estranheza. Com efeito, noto que um projeto de lei se chamar de “anticrime” não é usual. Normalmente os pacotes de lei são contra a corrupção ou contra algo específico. No entanto, isso apenas indica pouca familiaridade com o processo legislativo, o que em si é apenas uma questão estilística e de conhecimento histórico das leis.
2 – Execução provisória da condenação criminal
Pretende alterar os artigos 617-A, 638 e 283 do CPP.
Particularmente entendo que a execução automática do julgado depende de emenda constitucional pelos motivos que já apresentei no meu Curso de Processo Penal. No entanto, creio na boa fé do político ao pretender amenizar os problemas criados pela mudança de posição do STF sem que houvesse lei para tanto. Mudança inconstitucional a meu ver.
3 – Mudança para aumentar a efetividade do Tribunal do Júrin
Pretende fazer mudança no artigo 421 do CPP e 492.
Quanto ao 421, pretende com isso fazer com que haja realização do plenário do júri já logo após a pronúncia e antes mesmo do julgamento do recurso em sentido estrito eventualmente interposto.
Não vejo em primeiro momento qualquer inconstitucionalidade mas questiono a conveniência desta mudança. Será que para o sistema é conveniente? Será que não haverá perda de eficácia? Explico: imagine que, após realizado o plenário, seja dado provimento ao recurso para modificar algo da pronúncia? Seria tudo perdido? Seria tudo anulado, inclusive o plenário? Temo que esta mudança possa gerar este tipo de perda sem que haja ganho substancial. Não vejo, insisto, inconstitucionalidade.
Quanto ao artigo 492, pretende o projeto que seja cumprida imediatamente a pena privativa de liberdade caso o acusado seja condenado pelos jurados. Fundamenta isso na ideia de soberania dos veredictos.
A meu ver trata-se de bruta confusão aqui. Confundir soberania dos veredictos com execução automática da sentença não é novidade, embora careça da melhor técnica. Soberania dos veredictos significa que a decisão não poderá ser revista pelo tribunal. No entanto, a execução da pena somente pode se dar com o transito em julgado da sentença penal condenatória.
Executar a sentença de primeiro grau, sem que haja reforma constitucional parece-me inconstitucional.
No entanto, é forço convir que há pelo menos um nome no STF que advoga esta tese. Trata-se do Min. Barroso, que sustenta que as condenações em primeiro grau do tribunal do júri podem ser automaticamente executadas. A meu ver trata-se de exótica interpretação da soberania dos veredictos. A conferir como o pleno do STF decidirá.
4 – Alteração dos embargos infringentes
Pretende com o projeto de lei alterar o cabimento dos embargos infringentes. Atualmente cabe para qualquer julgamento de apelação, rese ou agravo em execução em que haja voto vencido favorável à defesa.
Com a reforma somente caberia para os casos de absolvição e não para as demais hipóteses.
Não vejo inconstitucionalidade neste caso, embora veja má técnica. Mantem o projeto o nome de embargos infringentes e de nulidade. Ora, neste caso, deveria alterar o nome para apenas embargos infringentes. Não vejo inconstitucionalidade aqui.
5 – Medidas para permitir o uso de bem apreendido por órgãos de segurança púbica
Pretende introduzir o artigo 133-A ao CPP para permitir que os bens apreendidos possam ser utilizados pelos órgãos de segurança pública. Creio que a medida é salutar e apenas regulamenta o que na prática a jurisprudência já admite. Hoje está prevista apenas na Lei de Drogas com aplicação analógica para os demais casos.
6 – Medidas para introduzir soluções negociadas no CPP
Talvez a medida mais polêmica (ao lado daquela relativa à legítima defesa dos policiais).
Eu sou apaixonado por este tema. Já estudei o sistema norte americano, chileno e uruguaio. Apresentarei posteriormente texto maior somente sobre este tema. No entanto, posso adiantar o que segue.
Não sou ontologicamente contra. Não vejo inconstitucionalidade apriorística aqui.
No entanto é preciso que cuidemos mais da forma de implementação do que do tema em si.
No Uruguai participei de audiência deste tipo e ficou claro que o maior problema (também nos EUA) é o problema do conhecimento do réu do que está sendo negociado por ele. Precisamos dar a maior quantidade possível de informação ao réu para que ele possa adequada e conscientemente negociar sua liberdade.
Escreverei outro texto maior só sobre este tema
Conclusão
A reforma despreza (e não consigo entender porque) o conhecimento da academia. Infelizmente nos dias atuais há um ataque ao conhecimento técnico.
O político quando da apresentação do projeto disse que ele não era para agradar professores de direito. Acho incompreensível este ataque ao estudo, ao conhecimento. Incompreensível.
Poderia o governo ter se valido de seu capital e ter dialogado com as maiores mentes do país na formulação destas medidas. Preferiu, contudo, desprezar este conhecimento.
Espero que no Congresso Nacional haja diálogo com os acadêmicos e instituições de todo o país. Todos queremos o melhor para o país, todos.