Temos assistido há algum tempo manifestações nas frentes dos quarteis de pessoas pedindo intervenção dos militares. Dentre os variados bordões que gritam está “forças armadas salvem a nação” ou algo similar.
Proponho aqui dupla discussão: há crime na conduta destas pessoas? Não sendo crime é lícito que haja direito de reunião para fazer este tipo de pedido?
Em um primeiro momento podemos pensar que estas pessoas cometem crimes contra as instituições democráticas. Não me parece ser contudo este o caso.
São dois os crimes aqui previstos: os previstos no artigo 359-L e no artigo 359-M:
Abolição violenta do Estado Democrático de Direito (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021) (Vigência)
Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais: (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021) (Vigência)
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência. (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021) (Vigência)
Golpe de Estado (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021) (Vigência)
Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído: (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021) (Vigência)
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência.
Em princípio a mera manifestação destas pessoas afasta a incidência destes crimes pois é exigido que sejam cometido por meio de violência ou grave ameaça. Tendo em vista que, pelo menos até onde se sabe, não praticaram nenhuma manifestação com violência ou grave ameaça não é possível a incidência destes tipos penais.
Isso não significa que não haja crime por parte destes manifestantes e aqui deve-se tomar muita cautela.
Podem os manifestantes estarem cometendo o crime previsto no artigo 286 do Código Penal, qual seja, incitação ao crime:
“ Incitação ao crime
Art. 286 – Incitar, publicamente, a prática de crime:
Pena – detenção, de três a seis meses, ou multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade. (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021) (Vigência)”
A conduta dos manifestantes pode ser identificada como aquela prevista no parágrafo único do artigo 286. Isto porque ao se manifestarem no sentido de que as “forças armadas salvem a nação” parecem indicar que querem a deposição do governo democraticamente eleito.
Sendo crime a conduta destas pessoas será que todos os que lá estão cometem este crime? E mais, será que o Direito Penal é o instrumento adequado para resolver esta questão?
Em primeiro lugar devo destacar como esta pena é irrisória e portanto terá pouco ou nenhum efeito sobre os manifestantes vez que de competência do Juizado Especial Criminal que admite até mesmo a transação penal.
Em segundo lugar me parece que a esperança que se tem no uso do Direito Penal como forma de pacificação da sociedade é uma fórmula que não funcionou até o momento.
Pelo contrário, a inflação penal faz com que as investigações sejam ineficientes e acabem por gerar maior descrédito das pessoas no próprio sistema penal.
A tarefa que temos é pacificar o país e isso dificilmente será conseguido por meio do direito penal. É preciso que se atue de maneira a conscientizar estas pessoas e, mais especificamente, sobre aqueles que estimulam estes atos.
Estas pessoas sim devem ser responsabilizadas: quem manipula as pessoas que lá estão de boa fé e que acreditam na desinformação propalada.
E poderiam estas pessoas se manifestarem pedindo que as forças armadas cometam crime? A relação entre a liberdade de expressão e o Direito Penal não é de pacífica convivência.
Lembro que já houve época em nosso país que as pessoas eram presas por pedir a descriminalização da maconha. O STF reconheceu que neste caso haveria proteção constitucional da liberdade de expressão.
Isso também vale por manifestações que pretendam a descriminalização do aborto. Tem-se reconhecido que não se trata aqui do crime de apologia.
Diferentemente seria a situação se os manifestante dissessem: “pessoas Brasil, fumem maconha” ou “mulheres brasileiras, abortem sempre”.
Seja como for há um delicado tema aí: como lidar adequadamente com as pessoas que estão nas frentes dos quartéis e traze-las de volta para a cidadania?
Este é um tema que deve envolver toda a sociedade e dificilmente o Direito Penal irá resolver a contento este problema.